Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;
Mateus 5:4
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
Esse é o momento, não, esse é o pior dia da minha existência, quando eu senti que morri sete vezes. É muito difícil até hoje falar sobre isso, vou lhes contar aos poucos…(pausa, meus olhos começam a ficar marejados).
Eu estava trabalhando, quando um colega entrou com o rosto lívido no corredor onde eu estava atendendo a uma senhora, eu trabalhava em uma instituição bancária na abertura de contas e solicitação de empréstimos. Esse meu colega fez sinal para o gerente e veio na minha direção, por um momento ele parou ao lado do gerente e falou algo aos seus ouvidos, a expressão do gerente se tornou sombria e vieram na minha direção.
- Paulo vamos ao escritório!É urgente! me disse angustiado o gerente.
Entrando no escritório indaguei o gerente a respeito daquela situação e ele me disse:
- Infelizmente aconteceu algo na escola do seu filho, temos que ir para lá! vamos lhe acompanhar, Paulo! Os olhos do gerente, um homem gordo, na casa dos sessenta anos ficaram cheios d’agua.
- Aconteceu alguma coisa ao meu filho? Respondam! gritei em franco desespero aos meus interlocutores.
Peguei minhas chaves e fui em direção ao estacionamento, com o telefone na mão, ia ligar para a escola ou minha esposa, não lembro mais…
Jorge segurou minha mão tomando as chaves e o telefone, o gerente segurou meu braço e me levou para o lado do carona e disse:
- Jorge vai dirigir, nos vamos lhe contar o que aconteceu, você precisa ser forte Paulo! O gerente estava com o rosto vermelho como tomate.
Essas palavras, “tem que ser forte”, significa algo ruim, eu sempre soube, pelos filmes, em que as pessoas usam esse clichê, senti uma tontura, minhas pernas fraquejaram, me colocaram no banco de trás do meu carro, o gerente ao meu lado, Jorge ao volante, saiu em disparada pelas ruas.
O gerente engoliu em seco e me disse:
- Paulo sinto muito, não sei como falar isso, sem meu coração doer… Seu filho.. seu filho Adam...morreu.
Nesse momento EU morri pela primeira vez naquele dia, acho que nunca senti uma dor tão profunda como ao ouvir aquelas palavras. Não consegui pronunciar nenhuma palavra. Acho que entrei como dizem em choque!
Ao chegar na escola do meu filho, vi uma grande movimentação de pessoas, carros de polícia, ambulâncias, voltei a realidade retirado de meu estupor. Saí do carro correndo e entrei na escola gritando: Onde está meu filho! Onde está meu filho! Fui contido por policiais, que logo perceberam de quem se tratava, suas faces ganharam um ar triste e melancólico.
Um dos policiais veio em minha direção, deveria ser o responsável.
- Senhor Paulo? Eu me chamo Rodrigues e estou a frente dessa terrível situação.
- O que houve? quero ver meu filho, ele está bem? Eu disse, negando o fato de que já sabia que ele estava morto!
-Senhor, sinto em lhe dizer que seu filho foi encontrado na parte de trás da escola em um depósito com a garganta cortada, ele foi…
Nessa hora eu morri pela segunda vez, meu filho Adam de quatros anos, morto com a garganta cortada, não aguentei e tudo ficou escuro, caí no chão!
Alguns minutos depois, recobrei a consciência, estava em uma das ambulâncias e o detetive Rodrigues ao meu lado, junto ao Gerente Sr. Amorim e meu colega Jorge.
- Senhor, peço perdão por ter sido tão direto, sei o quanto é difícil esse momento, a notícia é aterradora.
- Quero ver meu filho! -Uma fúria tomou conta de mim -
- Acalme-se senhor, iremos levá-lo, mas tenha calma, a cena não é indicada, o senhor tem certeza que quer ver agora? - Disse o detetive -
- Levem me até ele. - Lágrimas descendo pelo meu rosto.
É difícil respirar, mesmo após tantos anos ao lembrar daquela cena aterradora, fui acompanhado pelo detetive e os amigos do banco, o depósito era um lugar pequeno, mais como um almoxarifado, algo lúgubre, na entrada estava apenas dois policiais que ao nos verem se afastaram, parei em frente a porta e respirei duas vezes, Jorge e o Sr. Amorim seguraram meus braços, pois sabiam que a visão não seria das melhores e acertaram. Assim que entrei me deparei com dois homens da perícia fotografando um homem que estava caído perto da parede e um rio de sangue o rodeava, na sua mão direita estava uma faca, a qual ele usou para se matar.
O detetive olhou para mim e disse:
-Senhor esse é o assassino do seu filho, o miserável se matou, após cometer esse ato terrível.
Eu instintivamente percorri com os olhos o depósito e vi mais a frente algumas velas com suas luzes bruxuleantes, fui em sua direção e vi um pequeno altar onde havia uma imagem de Jesus Cristo pregado na cruz, ela deveria ter uns dois metros e ficava presa a parede, em uma altura que lhe obrigava a olhar para cima, com a clara intenção de nos mostrar que somos pequenos e inferiores diante do Filho de deus. Olhei para o chão, onde meu filho jazia coberto por um lençol e um lago de sangue se formava ao seu redor, próximo a ele uma bíblia aberta no livro de Gênesis, no capítulo vinte e dois, estava marcada toda a passagem em que deus prova a Abrãao, pedindo que sacrifique seu único filho Isaque. Abrãao seguiu as ordens de seu deus e, quase matou seu filho, sendo que na hora um anjo desceu impedindo, dizendo que por ele obedecer, entregando seu único filho, Ele(deus), o abençoaria fazendo de sua descendência muito numerosa.
Aquilo era muito bizarro para minha mente, então me ajoelhei e por um momento perdi as forças ao esticar a minha mão em direção ao lençol, mas mesmo assim o fiz, ao levantar aquele lençol e ver o meu filho ensopado em seu próprio sangue, com a garganta cortada, eu Paulo de Tarso me vi crucificado, meu coração foi arrancado de meu peito, então morri pela terceira vez naquele dia.
Nunca chorei como naquele momento, acariciei os cabelos de Adam, o beijei e chorei, como uma criança com fome e recém nascida, precisando de proteção, mas quem me protegeria? Quem seria meu escudo? Pensei em minha mãe, sim minha mãe, pensei na minha esposa…outra dor percorreu o meu corpo, só em pensar em ter de contar a ela, morri pela quarta vez.
Aos prantos disse a mim mesmo: Tens de ser forte! Sua dor não será nada perto da sua esposa! Controle-se!
Então me levantei e tapei meu único filho com o lençol. Perguntei o que aconteceu ao detetive, por que aquele doente mental matou meu filhinho de quatro anos, o que ele fez? Eu precisava de uma explicação, tornar aquilo real, como alguém pode fazer isso?
- Senhor Paulo, encontramos ao lado do corpo do assassino uma carta, que dizia o seguinte:
“ Eu serei chamado de assassino, aos seus olhos sim, mas aos olhos do bondoso Deus, serei chamado de o servo fiel. Ele veio em sonho, dizendo que teria grandes planos para mim, um lugar ao seu lado no paraíso, então perguntei, Senhor meu Deus o que tenho que fazer para se merecedor de tais bençãos? O Senho Todo Poderoso me respondeu: Você deve sacrificar sua vida para vir até a mim, mas para poder passar nos portões do paraíso, você deve fazer um sacrifício de uma alma pura, inocente, a sua foi corrompida pelo mundo. Senhor onde acharei tal alma? Você terá um sinal ao seu devido tempo! Então sempre procurei esse sinal, sempre seguindo tudo que a bíblia me dizia para fazer, então alguns dias atrás, enquanto eu carregava algumas caixas aqui para o depósito eu ouvi as professoras brincando com o menino Adam, fiquei atônito quando disseram, que lindo nome você tem Adam, ao que o menino respondeu, meu pai me disse que Adam significa Adão, o primeiro homem feito por Deus, eu sou especial e como sou o primeiro filho, papai e mamãe colocaram esse nome. Ao ouvir isso compreendi o sinal dado por Deus, aquele menino era o sacrifício, o cordeiro que me levaria ao paraíso, apagando todos os meus pecados com o seu sangue. Ele é um anjo agora na companhia de Deus, estamos juntos aqui no céu.
Peço perdão a minha irmã por não poder levá-la, eu queria sacrificá-la para ir conosco, mas não queria desobedecer as ordens do Senhor!
Já doei previamente meus pertences a caridade, peço que em meu túmulo coloque a inscrição ungido do Senhor!
Fiquem em paz irmãos e irmãs, o dia do julgamento chegará em breve para todos vocês, se arrependam enquanto é tempo!
Fiquem com Deus! Para sempre servo do Senhor Pedro Tiago de Alcântara.”
Aquilo era demais para a minha cabeça, que loucura esse cara fez, sacrificou meu filho!
Quis sair o mais rápido que pude daquele lugar, falei com o detetive que iria até o trabalho da minha esposa para dar a notícia. Como eu faria isso eu não sei.
Tenho que agradecer imensamente aos amigos Sr. Amorim e Jorge por não saírem do meu lado nesse dia fatídico.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
O mal que os homens fazem vive para sempre!
Círculo de fogo,
meu batismo de alegria parece terminar
A sétima ovelha morta,
o livro da vida está aberto diante de mim
E rezarei por você
E algum dia talvez eu retorne
Não chore por mim
No além foi onde aprendi
The Evil That Men Do - Iron Maiden
Nenhum comentário:
Postar um comentário